14/03/2014

EVA RAP DIVA DIZ QUE O MELHOR MOMENTO ESTÁ POR VIR

Conhecida pelas batalhas de freestyle em festas e movimentos de hip hop, a rapper angolana sonha criar uma fundação que defenda os direitos das mulheres e dos mais idosos. Frontal, Eva diz haver hipocrisia e falta de competência no meio musical angolano. Ainda assim, a também estudante de Direito, acredita que o rap nacional ainda tem muito para dar ao público.
Encontrámos Eva RapDiva no Kinaxixi, em pleno centro de Luanda. Esperávamos uma mulher de calças largas, sapatilhas, boné e t-shirt, mas fomos surpreendidos por uma 'executiva', vestida com um formal blazer.
Era hora de almoço e Eva acabava de sair do escritório. Aos 25 anos, a estudante de Direito e gestora tem na forja o lançamento do seu primeiro disco. Crítica em relação ao mercado musical angolano, Eva RapDiva classifica o actual estado do hip hop angolano como "saudável", mas alerta para o preconceito em relação às cantoras do sexo feminino.
A sua música 'Sexo, Drogas, Damas e Massa', criou polémica e foi interpretada de forma crítica por alguns dos seus colegas de profissão, mas a 'Diva' esclarece que não tem beefs (rixas) com qualquer outro rapper e que o recado não foi para nenhum músico em particular.
A também apresentadora de rádio partilha o microfone com Vui Vui, aos domingos, no programa Beat Box da Rádio Luanda e é protagonista, às terças-feiras à noite, de um programa que dá a conhecer os novos hits internacionais.
A residir em Angola há quatro anos, Eva começou no rap aos 12, em Portugal. O disco gravado desde Agosto do ano passado em Portugal, e masterizado nos Estados Unidos, será lançado no próximo mês de Março.
A meio da conversa com a Caju, juntou-se à mesa a mãe de Eva Marise Cruzeiro Alexandre (nome completo da cantora). Orgulhosa dos caminhos que a filha tem traçado, fez-lhe rasgados elogios. "Admiro-a não só como cantora, mas como pessoa. Ela é uma mulher dedicada e muito humana. Em relação à música, sempre lhe transmiti que a prioridade são os estudos", afirmou Ana Paula.
Até há algum tempo defendia que não precisava de gravar e preferia manter-se no freestyle. A que se deve a mudança?
Na altura era assim que eu via as coisas. Comecei a cantar com 12 anos e defini-me como MC já nessa altura.
Achava que não era importante gravar, porque isso já todos faziam. Era muito mais interessante subir ao palco, fazer algo momentâneo e 'jogar' com a plateia, pois assim iam identificar-se muito. Mudei de ideias quando percebi que podia chegar muito mais longe com músicas gravadas do que com as festas de hip hop onde fazia freestyle e batalhas. Percebi que estava a limitar-me.

Existe algum beef entre si e o rapper Abdiel?
Trocaram alguns 'recados' pelas redes sociais...
Que eu saiba não. No movimento musical angolano a hipocrisia prevalece. As pessoas são falsas. E isso faz com que alguns artistas não estejam habituados a receber críticas, até mesmo as que não são direccionadas a si em particular.
Basta alguém dizer algo, que o artista associa a si próprio e sente-se atacado. Eu fiz uma música chamada 'Sexo, Drogas, Damas e Massa', em que faço uma crítica generalizada, e algumas pessoas particularizaram.
Sentiram-se afectadas por isso. Não tenho nada contra essas pessoas. Se elas se sentiram, de alguma forma, ofendidas por aquilo que disse, eu entendo, é normal, mas deixo bem claro que a minha intenção não foi essa. Por isso não posso dizer que tenho problema seja com o Abdiel, seja com outro artista.
Há quem diga que o NGA também se sentiu ofendido.
Não. Até porque eu, em Portugal, vivia na mesma rua que o NGA. Conhecemo-nos desde crianças. É como se fossemos família.
Por isso é impensável eu atacar o NGA, seja de que forma for, até porque é o artista de rap que mais admiro, sou fã dele e respeito o seu trabalho. A música que fiz não tem nada a ver com o NGA. Ele fala do que vive.
Outros artistas sentem-se ofendidos porque sabem que não falam do que vivem. Inventam coisas nas músicas e por isso entenderam que a música era direccionada para eles. Nunca o NGA se iria sentir ofendido com aquela música.

Pertence a alguma produtora?
Não. Já tive algumas propostas, mas na verdade não consegui chegar a acordo com nenhuma. Tenho algum conhecimento sobre aquilo que é o mercado musical, algo diferente da maior parte dos artistas em Angola.
Em Portugal estive sempre muito ligada a alguns donos de editoras, pessoas que fazem agenciamento e tenho amigos pessoais do ramo da música. Sei mais ou menos como é que as coisas devem funcionar, então fica um pouco difícil negociar.
Há pessoas que têm produtoras e não percebem muito da coisa. Neste momento estou em negociações com uma produtora, com a qual me identifico, e quem sabe chegaremos a um acordo.
Está a dizer que no nosso mercado existem poucas produtoras que correspondam ao seu perfil?
Sim. Acho que as pessoas que trabalham no ramo da música em Angola, na sua maioria, não são competentes o suficiente.
Tem encontrado alguma barreira no hip hop por ser mulher?
Não acredito que haja barreiras. Acredito que há preconceito porque algumas pessoas acham que as mulheres são mais frágeis.
E quando aparece uma mulher com a minha postura, a querer estar de igual para igual com os homens, as pessoas não aceitam muito bem, principalmente os artistas. Por ser mulher não quer dizer que não posso ser igual ou até melhor do que eles. Esta é a barreira que existe no nosso mercado.
Tudo o resto é uma questão de trabalho e dedicação para conseguirmos ter as mesmas oportunidades.
Sente-se, de alguma forma, discriminada?
Algumas pessoas dizem-me que tenho cara de cantora de kizomba. Não sei se posso chamar isso de discriminação ou não. Dizem que não posso cantar rap como se o estilo fosse apenas para meninas com mau aspecto. É o que as pessoas me dão a entender.
Muitas das referências femininas do rap em Angola não estão no activo. Porquê?
Não sei exactamente os motivos de cada uma. Mas no geral, muitas delas desistiram porque decidiram constituir família e acharam que não dava para conciliar as duas coisas.
Mas tenho a certeza absoluta de que a justificação de que não havia oportunidades não é verdadeira. Parte delas tiveram oportunidade de assinar por boas produtoras. Foram reconhecidas, ganharam prémios e tiveram muitos shows.
Mas, se de alguma forma perceberam que precisavam de mais, eu entendo, porque cada pessoa tem as suas ambições. Comparado com os dias de hoje, acredito que elas tenham tido mais oportunidades. Fazer rap não é algo fácil e nem todas as pessoas têm a mesma determinação.
Como é que está o nosso rap feminino?
Esteve adormecido durante alguns anos. Agora surgiram novas artistas e cada uma está a tentar fazer a sua parte. Mas ainda assim, a nível mundial, este estilo tem uma tendência natural para ser mais abraçado por homens.
E no geral em Angola? Como está o género?
Acho que o rap em Angola está a viver um momento bom, visto que a nível de mercado há uma boa abertura para os artistas do género, mesmo no que toca a concertos, shows, adesão do público. E as vendas de CD têm sido muito boas. Acho que a qualidade musical também melhorou consideravelmente, porque os artistas já estão mais preocupados com certos aspectos com que antigamente não se preocupavam.
No que toca à produção, mistura e masterização, já conseguimos algo a nível dos mercados mais desenvolvidos. Cada artista acaba por contribuir para que o movimento cresça com o seu empenho, trabalho e expondo as suas ideias. O importante é o artista fazer boa música, porque quando trabalhamos bem, o que é justo vem parar às nossas mãos.
É difícil a música rap ser premiada nos nossos concursos musicais?
Em Angola o género é bastante desvalorizado. A maior parte das pessoas não acha que o artista de rap possa ser comparado com um músico de outro estilo musical, por exemplo o semba.
Acham que os que cantam rap são de uma classe inferior. Então, no que toca aos prémios, acabam por não ser justos muitas vezes.
Será pelo tipo de mensagem que passa?
Nós temos rappers com mensagens muito melhores do que alguns cantores, por exemplo, de kuduro. Por isso, se formos por aí, o rapper até sai em vantagem.
Quais as suas referências no rap em Angola?
Gosto muito do NGA, do MCK e do Yanick Afroman.

Como é que vê o rap angolano na Lusofonia?
O rap angolano tem muito para dar e acredito que este estilo vai crescer bastante. Em relação à Lusofonia, já ocupa um lugar bem melhor do que há uma década.
Continua a fazer batalhas de freestyle?
Já não estou nessa fase. A vida é feita de ciclos e eu já terminei esse ciclo, agora estou noutro. Faço freestyle, mas as batalhas já não. Já não me sinto estimulada para fazê-lo.
Até agora qual foi o melhor momento da sua carreira?
Acho que ainda está para acontecer. Não consigo escolher dois momentos que sejam um pior ou outro melhor.
O que aconteceu até agora ainda não foi significativo suficiente para eu considerar o melhor momento de sempre. Mas tenho tido uma grande receptividade do público nas ruas. As pessoas elogiam, dão carinho, força e fazem críticas também.
Eva RapDiva 65O seu CD já está a caminho?
É já para finais de Março e está feito desde Agosto do ano passado. Preferi fazer as coisas a seu tempo.
Quando uma pessoa não tem uma quantidade de dinheiro significativa disponível para gerir na promoção, tem de fazer as coisas à medida das possibilidades como, por exemplo, juntar dinheiro de shows para realizar um videoclipe.
Agora que tenho as condições, e até porque estou a negociar com uma produtora para lançar o CD, já está tudo mais ou menos definido. A data é mesmo Março, com toda a certeza. O disco foi gravado em Portugal e masterizado nos Estados Unidos da América. E tenho já um videoclipe promocional a passar nas televisões.
O que podemos esperar deste trabalho?
A única pessoa a 'rimar' sou eu. Há mais duas músicas já conhecidas, que terei como bónus, e que contam com a participação de outras MC femininas.
Acha que as fusões de estilos tiram a característica ao rap?
Não. A única fusão que pode tirar alguma característica à música é a fusão do kuduro com o rap, por serem estilos muito parecidos.
Não sou contra esta fusão, mas se perguntar se tira alguma característica ao estilo rap, tira. O que acaba por diferenciar um estilo do outro é o instrumental, tudo o resto é igual. Então, se um cantor de rap cantar num instrumental de kuduro, vai mesmo estar a fazer kuduro.
Todo o tipo de fusão diferente já não descaracteriza o rap, pelo contrário, enriquece. O hip hop é fruto de junções de estilos como o jazz, soul e outros.
Porquê o nome artístico Eva RapDiva?
Tenho uma amiga portuguesa que é uma das pessoas que mais me motivou a cantar. Ela canta muito bem soul e R&B, e começou a chamar-me 'RapDiva'.
Nos shows ela referia-se a mim como RapDiva e a coisa pegou. O outro apelido, 'Rainha Jinga do Rap', não sei muito bem como surgiu, creio que foi durante um espectáculo em Viana, onde alguém me chamou-me Rainha Jinga do Rap, quando estava em palco. Na altura estava a fazer a música 'Fuba' e inspirei-me nisso. Comecei o verso a dizer que sou a Rainha Jinga do Rap. Por isso também dei esse nome à mix tape.
Qual a música que a lançou à ribalta?
A música que me lançou aqui em Angola foi uma com que participei na mix tape Incendiários, em Portugal, que foi distribuída cá pela Master K.
Vim cá cantar em 2008, num show do Kid MC no Karl Marx, e quando comecei a cantar dei conta que o público conhecia a música, fiquei super admirada. Tenho ainda vários vários vídeos de freestyle na net.
Viveu grande parte da vida em Portugal. Foi difícil enquadrar-se em Angola?
Não. Cheguei cá e senti-me como se sempre tivesse estado cá. Adaptei-me com facilidade.
Como é o seu dia-a-dia?
Trabalho, estou a licenciar-me em Direito, gosto de fazer desporto e faço rádio.
Como é que surgiu a rádio?
Já tinha feito um programa online em Portugal, que era de hip hop. Por causa disso fui convidada a fazer parte do programa Beat Box, da Rádio Luanda aos domingos. O pessoal da direcção da rádio gostou da minha prestação e fui agora convidada, há cerca de um mês, para fazer outro programa também ligado ao rap, mas para apresentá-lo sozinha.
O primeiro é de música alternativa e, à terça-feira, o espaço é mais dedicado às novidades de rap internacionais.
Como é que será a sua vida quando concluir o curso de Direito?
Já quis ser juíza. Mas hoje em dia começo a ter ambições um bocado diferentes. Gostava de criar uma fundação que defendesse os direitos da mulheres e um lar de acolhimento para as pessoas idosas.
Toca-me muito mais quando vejo uma pessoa idosa abandonada, creio que este é um lado da sociedade que está muito esquecido. Uma pessoa por ser velha não quer dizer que seja inútil.
Há muitas formas de fazer com que pessoas de mais idade se sintam úteis e que possam ter uma vida normal como se ainda tivessem 25 anos.
Os seus familiares sempre a apoiaram no música?
No início a minha mãe não me levava a sério, achava que era uma parvoíce da idade. Mas depois começou a perceber que a brincadeira afinal era um bocado mais séria.
Lembro-me que quando saí numa conceituada revista portuguesa como a melhor rapper de Portugal a minha mãe viu e levou a coisa mesmo a sério. Ela hoje está orgulhosa pelo feito.
Tem conseguido conciliar o trabalho, o estudo e a música?
Não tem sido fácil. Mas felizmente tenho conseguido conciliar.
Qual a sua maior referência?
A cantora americana Lauryn Hill é, sem dúvida, a minha maior referência.
E uma música que destaque?
'Ready or Not', da Lauryn Hill.
Por onde passam os seus projectos pessoais? Tem namorado?
Tenho namorado, sim. Tenho alguns negócios, algumas ambições pessoais, faço rádio, quero continuar a fazer comunicação e até para além da rádio, quem sabe televisão. Mas também estou a licenciar-me e quero terminar o curso.

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